Estávamos jantando naquele mesmo restaurante que íamos há algum tempo. A comida era boa, básica mas saborosa. Os freqüentadores eram legais, gente de todo o tipo, mas sem o conjunto chapinha-bronzeado-músculos. O preço podia ser considerado barato, e o lugar estava sempre cheio. Estávamos só nós dois dessa vez, sem o João e a Mariana, um casal de amigos e companheiros de festas que ele havia conhecido no primeiro ano da faculdade e que ele achava que tinham que ser meus amigos também. Ele estava me falando sobre o trabalho dele. Sobre o chefe, mais especificamente. Era um advogado fodão numa dessas firmas de advocacia. O profissional do ano 2000. Estava me falando sobre o big boss e de como ele justamente não queria ser como ele. Tinha passado os últimos cinco anos trabalhando em grandes escritórios para descobrir isso: não queria mais ser advogado. Estava prestes a se formar. Tinha começado a trabalhar logo no primeiro ano, teve seus 19 anos amputados pelo uso obrigatório do terno e gravata. Camisetão e bermuda nunca mais. E agora ele me dizia que não queria mais isso. Estava muito entusiasmado com essa decisão, parecia que tinha achado o rumo da vida pelo qual tanto ansiamos. Aquele rumo vida que íamos seguindo, sem muita filosofia a respeito, mas com muita frustração, parecia agora que ia adquirir algum sentido. Queria ser juiz. Juiz? eu pensei. Nada a ver com ele. Logo ele. Ele era a figura de um advogado em pessoa, aquele charme esquivo dentro de um terno, aquele blefe no olhar, aquele jeito de te fazer acreditar em tudo o que ele diz, aquela segurança em achar que estava sempre certo. Sabia que essa história de juiz não ia durar muito, mas não falei nada. Dessa vez, eu não dividi o entusiasmo com ele. Dessa vez eu estava cheia da conversa dele. Ele continuava falando e eu resolvi abrir o jogo: tu tá me perdendo, sabia? Mas ele continuou a falar do chefe e de quantas estagiárias ele comia no escritório. Eu não estou satisfeita com a gente. Quer dizer, pra ser sincera eu não estou satisfeita contigo. Ele contava a discussão com o chefe na semana passada, pela terceira vez e como tinha enfrentado o chefe daquela vez. Eu tô cansada desse teu jeito, de levar tua vida como se eu não fizesse parte dela, ou melhor, como se eu fosse uma acessório sem a importância que uma namorada merece. Nenhuma reação dele, a não ser um certo olhar de inveja quando contava que a colega de estágio mais cobiçada tinha sucumbido aos encantos do chefe. Eu continuei: tô cansada de ser deixada de lado, de ser preterida pelos teus amigos toda a quinta, pelo teu trabalho aos fins-de-semana, pela tua família quando eu preciso de ti. Não gosto quando tu aparece lá em casa já bêbado, depois de uma noitada só de homens e acha que eu tenho que transar contigo. Quando eu quero, tu diz que tem uma petição pra fazer. Tô cansada desse teu escritório de merda, desse teus colegas "advogadozinhos" que se acham superiores a todos os outros simples mortais. Agora ele falava da ex-namorada, uma ex colega da faculdade. Eu tentava sempre manter o interesse nas conversas dele sobre trabalho-faculdade, pois, do contrário, se eu me desinteressava, lá vinha ele dizer que nessa parte o namoro dele com a Carol era ótimo, porque ela entendia tudo o que ele passava, viviam nos mesmos mundinhos. Essa lembrança me irritou ainda mais. Luisa, me passa a batata frita? Passo amor, ah, sabe o Lucas? O Lucas do meu estágio lá na clínica? Pois é, te traí com ele. Ele pediu mais um chopp pro garçom. Desculpa eu ter feito isso, sei que prezo essa coisa de fidelidade e tal, não gosto de enganar ninguém, mas não deu pra resistir. A gente vinha fazendo certas brincadeiras a algum tempo, conversando bastante nos intervalos do trabalho, até que um dia ele disse que nem sempre ele falava de brincadeira. Eu acho ele bonito, tu sabe disso, mas tu nunca teve ciúme, né. Não, ele não tinha. Tu sempre disse que na enfermagem só tinha guei e mulher. Só pra te avisar: o Lucas não tem nada de guei. Agora ele estava falando dos planos em conseguir outro estágio. Claro, ia se garantir naquele até ter outra coisa em mente, um estágio com um juiz, talvez. Mas tinha que ser algo direto com o juiz, fazendo sentença. Claro, eu disse, tu é pouco humilde, acha que o mundo tem que estar aí pra te servir. Mas sabe o Lucas? Pois é, um dia ele me ofereceu carona e na despedida me deu um beijo na boca. Confesso que retribuir com a língua foi minha responsabilidade, convidar ele pra subir também.... Desculpa, mas sabe a cama em que tu dorme comigo? Eu transei com ele ali. Passei a o filé pra ele. Concordei quando ele dizia que os concursos eram difíceis, mas era só ele estudar um pouco que passava. Desgraçado, nisso ele tinha razão. Era inteligente e quando queria se esforçar um pouco conseguia tudo. Mas comigo tu vai ter que se esforçar mais, sabia? Eu transei com o Lucas. Não foi uma vez, fizemos duas vezes. Pra ser mais específica, eu tive três orgasmos, por que ele conhece uma coisa chamada preliminares, tu conhece? Conhece sim, pensei, mas apenas as que eu faço em ti. Ele disse que ia perguntar pro Joel, o melhor amigo dele, como conseguir uma estágio no Tribunal de Justiça. Eu perguntei se era aquele prédio atrás do IPÊ e aí ele perdeu a paciência comigo: quantas vezes eu tenho que te dizer que lá é o fórum, nada a ver com o tribunal, esse fica na Borges. Essa observação me deixou ainda mais chateada, e eu resolvi continuar a me confessar: transei com o Lucas, mas não te preocupa, eu ainda gosto de ti. Foi só sexo. Ótimo sexo, mas a merda é que eu gosto de ti, apesar de tudo. Eu ainda gosto de ti, mas não dá mais, não é só isso, eu tô cansando do jeito que tu me trata, principalmente na frente dos teus amigos. Eu sei que nas tuas conversas com eles tu age como se não tivesse namorada, como se eu fosse alguém que está ali a tua disposição. Sei que tu gosta de mim, mas cansei dessa tua reputação medíocre de comedor que tu tenta levar a diante. Cansei. Teus amigos sabem que tu broxa depois de beber muito? Não? Eu aposto. Por que tu não fala isso pra eles? Ao invés de me responder, ele contava como o Joel estava se dando bem naquele outro escritório, esse com mais filhinhos de papai e patricinhas por metro quadrado do que qualquer bar da Padre Chagas. Não dá mais, eu quero um tempo, quero pensar. Tu não vai dizer nada? Não te incomoda o fato de que transei com outro cara? Olha, só pra avisar, foi sem camisinha, eu até ia usar uma das tuas que tu deixa lá em casa e nunca usa, mas não deu tempo. Não te preocupa, ele fez um monte de exames quando começou lá na clínica, ele não tem nada. Bem, já que tu não tem nada pra me falar, o que tu acha de gente pedir a conta? Ele concordou. Reclamou do filé outra vez, muito bem passado, sugeriu que fôssemos lá pra casa e me chamou de pequeninha, era assim que ele me tratava quando era carinhoso. Eu disse que era nossa última noite, depois era melhor a gente ficar um tempo sem se ver. Ele olhou pra mim e disse: te adoro Manuela. Alexandre, meu nome é Rafaela...
Foi a única coisa que falou antes de irmos lá pra casa e transarmos. Depois disso indagou apenas: o que era mesmo que tu estava me falando sobre aquele Lucas? Eu suspirei e dissse: nada, tava só dizendo que eu acho que ele é guei...
"Gosto de ver você dormir
Que nem criança com a boca aberta
O telefone chega sexta-feira
Aperto o passo por causa da garoa
Me empresta um par de meias
A gente chega na sessão das dez
Hoje eu acordo ao meio-dia
Amanhã é a sua vez
Vem cá, meu bem, que é bom lhe ver
O mundo anda tão complicado
Que hoje eu quero fazer tudo por você.
Temos que consertar o despertador
E separar todas as ferramentas
A mudança grande chegou
Com o fogo e a geladeira e a televisão
Não precisamos dormir no chão
Até que é bom, mas a cama chegou na terça
E na quinta chegou o som
Sempre faço mil coisas ao mesmo tempo
E até que é fácil acostumar-se com meu jeito
Agora que temos nossa casa
é a chave que sempre esqueço
Vamos chamar nossos amigos
A gente faz uma feijoada
Esquece um pouco do trabalho
E fica de bate-papo
Temos a semana inteira pela frente
Você me conta como foi seu dia
E a gente diz um pro outro:
- Estou com sono, vamos dormir!
Vem cá, meu bem, que é bom lhe ver
O mundo anda tão complicado
Que hoje eu quero fazer tudo por você
Quero ouvir uma canção de amor
Que fale da minha situação
De quem deixou a segurança de seu mundo
Por amor
Por amor..."
Aviso pro mundo lá fora: Do not disturb, porque hoje eu só quero é ser feliz.
PS: o post abaixo não é letra de música, é de minha autoria.
“Once there was a little girl
She was born and rised
And, along her life,
She smiled e laughed
But she only caused pain
Pain to herself, pain to people around
So, one day, she decided stop the pain…
She decided give herself some peace
The peace that she was looking for all her life
And she began wonder how could she do that
Then she decided slash her wrists
And her biggest doubt became how to do it?
She didn´t know wich way it was better
How to pass the razor?
Jus one line along her arm
Or several horizontal lines across her arm?
Wich way would stop the pain sooner?
She decided does it in the both ways
And she did it
And she bleeded until her heart stop aching
And all the blood became water
She swimmed in all the water
And she flied
And she reached the clouds
But she still misses someone
And the feeling that only a language can translate
Tooked over her
And she discovered that there is no peace at all
But she could not died again…”
FUGA Nº2
(Arnaldo Baptista / Rita Lee / Sérgio Dias)
Hoje eu vou fugir de casa
Vou levar a mala cheia de ilusão
Vou deixar alguma coisa velha
Esparramada toda pelo chão
Vou correr no automóvel enorme e forte
A sorte a morte a esperar
Vultos altos e baixos
Que me assustam só em olhar
Pra onde eu vou, ah
Pra onde eu vou, venha também
Pra onde eu vou, venha também
Pra onde eu vou
Faróis altos e baixos que me fotografam
A me procurar
Dois olhos de mercúrio iluminam meus passos
A me espionar
O sinal está vermelho e os carros vão passando
E eu ando, ando, ando.......
Minha roupa atravessa e me leva pela mão
Do chão, do chão, do chão